Diário de Bordo - Sérgio

 

10/07/2006

Acordei cedo e fui ao mercado em Porto Seguro comprar algumas coisas de mercado. Voltei e tomamos café da manhã no hotel para comemorar o aniversário do Dadi, que estava fazendo 50 anos. Após o café, fechei a conta na marina, agradeci toda a atenção que eles nos dispensaram e arrumamos todas as coisas para zarpar. Saímos às 13:10 hs, deixando os amigos Carlos, Andréa, Dadi e Denise no píer dando “até breve”, que esperamos reencontrar em breve.  As crianças estavam “com bico”, contrariadas, pois queriam ficar mais um dia. O Japonês nos levou até a saída da barra e agradecemos sua atenção. Motoramos por duas horas com o vento leste na cara para podermos nos afastar de terra e passarmos distantes dos perigosos recifes do local. Como as baterias estavam baixas, isso acabou sendo ótimo. Quando deixamos os Recifes de Fora pelo través, começamos a girar o barco para o rumo do través de Belmonte e o vento foi entrando favorável, permitindo que desligássemos o motor e andássemos numa orça folgada muito gostosa para velejar. O mar estava calmo e o dia muito bonito. Deitei para descansar, pois eu iria fazer o turno da noite. A Carol assumiu o comando até as 17:00 hs e depois disso foi dormi. O Jonas ficou até das 17:00 hs às 20:00 hs. Enquanto eu estava dormindo perto do pôr-do-sol, o Jonas veio me chamar para vê-lo. Levantei e vimos juntos a descida do sol até o horizonte, lindíssimo com o céu sem nuvens e o sol se escondendo atrás da costa baixa do local. Do outro lado, já se erguia uma lua muito cheia, totalmente arredondada e muito grande, fenômeno que acontece quando ela está baixa no horizonte. Após o sumiço do sol, lentamente o céu laranja foi passando para um avermelhado, até chegar ao arroxeado, enquanto do outro lado, tudo ia ficando mais prateado, lua e mar. Descansei mais um pouco e voltei às 20:00 hs para meu longo turno. A noite estava perfeita! Mar de poucas e pequenas ondas, vento leste de 8 a 10 nós e o Fandanguinho andando a 5 nós na orça folgada. A lua, com sua luz muito forte, jogava nossas sombras em cima do convés branco do Fandango, que também se iluminava pela lua. Chegamos ao través de Belmonte rapidamente e guinamos alguns graus para bombordo. Dessa forma, o vento começou a entrar por través. Pouco depois o vento aumentou um pouquinho, indo para 12 nós e o Fandango respondeu imediatamente, aumentando a média de velocidade para 6 nós.

 

11/07/2006

Começamos a passar por muitos pesqueiros, em sua faina constante. Fui desviando deles, sempre procurando passar longe, para não nos enroscarmos em suas redes e espinhéis. O vento aumentou mais um pouco, sempre da mesma direção. Isso fez com que o mar fosse crescendo aos poucos, enquanto nos dirigíamos para Ilhéus. A velejada estava perfeita e se o vento continuasse, iríamos chegar muito antes do previsto. Andávamos perto da costa para fugir um pouco dos pesqueiros (o que não adiantou muito) e eu fazia a navegação constantemente para não aterrarmos demais. O vento foi ficando mais forte e chegou a ficar entre 18 a 20 nós pouco antes do amanhecer, torcendo um pouco e entrando pela alheta. O Fandango andava muito bem a todo pano e fazia picos de 8 a 9 nós nas surfadas das ondas. O Alfredo levava o barco perfeitamente e só me restava regular as velas. A lua completou seu círculo sobre nossas cabeças sem desaparecer totalmente durante a noite toda, sempre forte a iluminar nosso caminho. Só esmaeceu quando o sol começou a se erguer, num nascer do sol fulgurante, enquanto a lua, nossa companheira da noite, tímida, se deitava no horizonte, já se confundido com as poucas nuvens do céu. A luz do dia mostrou um mar com ondas altas, mas favoráveis. Eu havia sentido que o mar havia crescido bastante, mas como entrava pelo través e não estava arrebentando, eu não tinha noção do quanto havia crescido. Como o vento empopou um pouco e a genoa estava batendo sem ação, recolhia e a velocidade não caiu praticamente nada, com o barco ficando mais estável. Chamei o Jonas às 6:30 hs, que ficou no comando, fiz a navegação e me deitei para dormir ao seu lado no convés. Coloquei o boné na cara e apaguei imediatamente, depois de uma hora acordei e continuamos desviando de barcos de pesca. Vimos pequenos peixes voadores saltarem e voarem por muitos metros se assustando à nossa passagem. Começamos a enxergar os prédios de Ilhéus e fomos nos aproximando. Liguei o motor uma hora para recarregar as baterias. Tentamos pescar um pouco, mas não pegamos nada no corrico novamente. Seguimos em direção ao porto, onde entramos com facilidade, seguindo as instruções do excelente guia náutico do Hélio Magalhães “De Morro de São Paulo a Ilhéus”. Seguimos para o iate clube e pegamos uma poita em frente a ele. Havíamos feito a viagem de 110 milhas náuticas em 21 horas, sendo três horas com motor e 18 velejando maravilhosamente bem. Travessia perfeita! Logo um funcionário do clube, o Cacá, nos pegava no Fandango para descermos em terra. O Capitão-dos-Portos, Tenente Fernandes e o sargento Moreira nos esperavam para dar boas-vindas em nome da Marinha do Brasil. Fomos apresentados também ao comodoro do clube e à Regina, que cuida do clube e que foi muito simpática conosco. Como estávamos morrendo de vontade de comida, pois só havíamos comido frutas e lanches durante a travessia resolvemos almoçar. Fomos na sugestão do Rubens, garçom do restaurante, que sugeriu um “aratu catado” (carne do caranguejo aratu removida de seu interior, temperada e frita servido com farinha passada na manteiga) e um “bife a parmegianna” com purê. O Jonas também quis uma porção de feijão. As crianças não gostaram muito do aratu, mas eu adorei! Pedimos duas porções e eu as comi quase sozinho. Maravilhoso! O bife também estava ótimo e o feijão foi um dos melhores que eu comi. As crianças adoraram a comida e, após o cafezinho, resolvemos passear. Se eu ficasse parado em qualquer lugar que fosse, iria dormir com certeza. Fomos para o centro de Ilhéus caminhando, falando de Bahia, Luis Eduardo Magalhães (vimos um lugar com o nome dele) e ACM até chegar no centro. Lá conhecemos o famoso Vesúvio, ao lado da Catedral, palco de um dos romances mais famosos de Jorge Amado, compramos o “Gabriela, Cravo e Canela” para ler e fomos na Casa da Cultura de Jorge Amado, antigo casarão onde ele morou quando jovem e onde escreveu seu primeiro romance. Tudo muito bonito e cheirando a história. Andamos um pouco pela rua Jorge Amado e demos uma volta pelas imediações do centro. O lugar me lembrou bastante Salvador. Caminhamos de volta ao clube, onde as crianças brincaram na piscina enquanto eu tentava me manter acordado. Vi numa revista uma reportagem sobre Mangue Seco, onde pretendemos ir e a difícil barra de entrada, com seus way-points. Vou copiá-los amanhã. A chuva chegou e ficamos presos mais um pouco, com as crianças brincando e eu tentando não dormir sentado. Quando parou, fomos para o barco onde deitei e dormi imediatamente, enquanto as crianças faziam seus diários. Eram cinco horas da tarde!

 

12/07/2006

Acordei às sete horas da manhã depois de merecidas catorze horas de sono! Logo fiz meus diários atrasados e chamei as crianças para podermos aproveitar Ilhéus. Tomamos um excelente café da manhã e pedidos nosso transporte para terra. O Cacá veio e nos levou para o clube. Lá encontramos a Regina, que nos ofereceu uma carona para o centro e acabou nos deixando numa linda feirinha de artesanato. Visitamos a feira, depois fomos ao banco e a uma sorveteria. É muito agradável passear pelos quarteirões antigos de Ilhéus. Fomos ao Bataclan, que a Regina havia nos mostrado onde era, e tivemos uma aula de história do local. Agora lá funciona um centro cultural, onde as crianças aprenderam os fundamentos do berimbau com um professor de capoeira, compramos alguns licores e geléias de cacau, tomamos um café e visitamos o “quarto da Maria Machadão”. Os guias do local contaram que os coronéis da época pagavam ao padre para estender a missa por várias horas para, enquanto suas esposas estavam rezando e ouvindo os sermões do padre, os coronéis poderem visitar o Bataclan por uma passagem secreta que saia dos fundos do Vesúvio e ia até os fundos do Bataclan. Vimos muitas fotos antigas de Ilhéus nas paredes do Bataclan e sentimos cheiro de Jorge Amado no ar. Depois saímos de lá e as crianças quiseram comprar um berimbau. Na loja ao lado do Bataclan os achamos e eles escolheram um de tamanho pequeno para ficar mais fácil para eles tocarem. Fomos fotografar o Vesúvio, a igreja e a casa de Jorge Amado. Foram muito simpáticos e me deixaram entrar sem pagar novamente, apenas para fotografar. Paramos no Vesúvio para beliscar alguma coisa (quibe, tradicional do Nacib, e uma carne-de-sol com farofa e banana frita) e as crianças tiraram uma foto ao “lado de Jorge Amado”. Andamos bastante pelo local e procuramos a casa do coronel Misael Tavares. Hoje lá funciona uma Casa Maçon e eles foram muito simpáticos conosco e nos deixaram entrar para vê-la. O pé-direito da construção é imenso e os espaços são todos grandes. Imagino as festas que eram dadas ali. Após esse banho de história, sobre coronéis poderosos, visionários e autoritários, cacau e grandes fortunas feitas e desfeitas voltamos ao barco com a sensação de que Ilhéus tem tudo para explodir no turismo. Falta apenas reformar alguns lugares históricos, organizar o turismo e divulgá-lo na mídia. Ela tem tudo mais o que precisa: beleza, história e um grande romancista (o maior brasileiro) a contá-la. Voltamos para a marina onde comemos uma nova comida típica baiana: o “arrumadinho” (carne-de-sol com purê de aipim e saladinha de tomate picado). A chuva chegou com força e ficamos esperando que passasse. Quando parou voltamos logo para o Fandango, onde tomamos um banho quente (aqueci a água no fogão e tomamos banho “de canequinha”), as crianças treinaram berimbau, fizemos nossos diários e dormimos deliciosamente, com o vento zunindo lá fora.

 

13/07/2006

Durante a noite ventou bastante e acordei várias vezes. De manhã o vento diminuiu um pouco e, quando olhei em volta, estávamos com novos “vizinhos”: vários pesqueiros grandes estavam ancorados perto de nós. O mar deve estar feio lá fora. Ontem eu já havia visto a arrebentação na praia e nos recifes e hoje deve ter piorado. Fizemos nossas obrigações e fomos para o clube. A Regina, muito atenciosa, novamente nos deu carona até o Bataclan. Chegando lá, logo veio nos receber o “Coronel” (artista no papel de um coronel de um livro de Jorge Amado que conta as histórias do lugar). No salão da frente do Bataclan, nos contou as histórias de Ilhéus e do famoso bordel. Mostrou as paredes originais feitas de pedra, conchas e óleo de baleia e as vigas de madeira-de-lei, que sustentavam o segundo andar, onde funcionava o bordel. A parte de baixo era um bar com um palco, onde se dançava o Can-can e outras danças da época. Nos fundos, enquanto nos mostrava as entradas secretas dos coronéis, uma voz nos chamou de cima: era uma artista representando uma das meninas de Maria Machadão que nos falava para subir. Subimos as escadas e ele nos mostrou novamente as fotos antigas, com maior riqueza de histórias e detalhes do que vimos ontem. Depois foi a vez da representação da moça, que contava histórias da vida das meninas que moravam no lugar. Tudo muito leve, engraçado e familiar. Esses dois artistas deram uma visão especial e diferente da vida de Ilhéus daquela época. Recomendo a qualquer um que vá à Ilhéus que vá ver essa pequena apresentação de 20 minutos, mas que enriquece grandemente a lembrança de uma época. O “coronelzinho” (como ela chamou o Jonas) e a Carol adoraram a apresentação. De lá saímos sem direção. Fomos andando pelo centro até que avistamos uma igreja no alto. Subimos uma rua íngreme e logo estávamos na frente de uma igrejinha antiga ao lado de um cemitério. A missa estava acontecendo, por isso não entramos. A vista era muito bonita e aproveitei para fotografar Ilhéus de cima. Vimos uma outra torre muito bonita, que nos chamou atenção e nos dirigimos para lá. Era o Convento e Igreja Nossa Senhora da Piedade, que foi construído em 1918 pelas freiras Ursulinas e onde funciona um grande colégio. Lá a vista era ainda mais bonita. Pedimos autorização para visitá-lo e logo entramos na igreja. Ela é belíssima e a imagem do altar, com escultura da Virgem Maria com Jesus crucificado nos braços e uma pintura ao fundo é um dos mais belos altares que eu já vi! Visitamos mais alguns lugares do grande e belo edifício e na saída batemos um papo gostoso com a senhora que nos recebeu. Descemos as ruas (para baixo todo santo ajuda!) e fomos até perto do Vesúvio para almoçar num restaurante por quilo chamado Gabriela. Eu esperava uma comida típica baiana, mas almoçamos a tradicional comida de vários estilos. Voltando para a marina paramos na linda biblioteca municipal e novamente estava o nome do coronel Misael Tavares na placa de inauguração. A biblioteca é grande e bem organizada. O prédio é muito interessante e uma coisa que chama a atenção são várias frutas do cacau representadas na decoração do edifício em alto relevo. Voltamos para a marina e aproveitamos o final de tarde na piscina. Vi uma construção representando a proa de um barco com os instrumentos usados num navio da Marinha e que foram doados para o Ilhéus Iate Clube. É muito interessante que, nos principais clubes e marinas pelos quais passamos, o relacionamento da Marinha do Brasil e nossos clubes de navegantes amadores é muito bom e isso faz com que seja maior a divulgação das tradições marítimas. Tomamos um banho gelado no clube, jantamos uns petiscos no restaurante (repeti o delicioso “aratu catado”) e fomos para o barco. Muitos peixes pulavam ao redor do barco e conseguimos pegar um com o puçá: era um parati, que soltamos em seguida. Fizemos nossos diários e fomos dormir cedo.

 

14/07/2006

Acordamos todos com uma preguiça danada. Mas como eu tinha várias coisas para fazer, espantamos a preguiça e fui ao trabalho. Rebitei o suporte da bóia circular, que estava preso apenas por cabos, acho que resolvi um pequeno vazamento de água doce do Fandango, que acontecia por causa de uma mangueira mal encaixada e tentei arrumar a bomba de água doce da pia do banheiro. Esta última foi um fracasso total. Após desmontar e remontar duas vezes a bomba, tentando improvisar um diafragma, desisti e resolvi comprar uma bomba nova em Salvador. Separei as cartas náuticas que usaremos para o próximo trecho de viagem e acessei a internet para ver a previsão de tempo. Descemos em terra já eram duas horas da tarde. Fomos passear para uma praia do lado direito de quem vê o clube do mar. Andamos um pouco por ali e logo voltamos, pois vimos alguns “desocupados” com caras não muito boas. Retornamos ao clube e fui até a Capitania dos Portos para avisá-los pessoalmente da nossa provável saída amanhã, combinar com eles como avisarei quando chegar em Camamu, pois não há Delegacia da Capitania dos Portos lá e agradecer a atenção deles. Combinamos de eu telefonar para avisar quando chegássemos. Aproveitei para pedir que tirassem xerox de uma página do “Guia Náutico da Bahia – De Ilhéus a Morro de São Paulo” para deixar no Iate Clube, pois lá fala: “O Ilhéus Iate Clube é reconhecido como um dos que melhor recebem os navegantes na costa brasileira”, e é verdade. Nos sentimos em casa nele e todos foram só atenções para conosco. Demos um pulo na praia que fica de frente para o mar, que deve ser muito boa no verão, mas estava muito suja e com mar bravo. Achei que o mar diminuiu um pouco e depois de falar com dois pescadores que acabaram de chegar do mar, resolvemos tentar sair amanhã de manhã mesmo. Fomos comer o “Kibe do Nacib” numa pracinha ao lado da biblioteca (que é ótimo!) e voltamos ao clube. Tomamos banho e, enquanto as crianças brincavam com um monte de crianças que estavam lá, fiquei conversando com o comodoro e alguns sócios. Daí a pouco o Jonas veio me dizer que a Carol havia caído dentro da piscina! Fomos até o barco, ela trocou de roupa e retornamos para o jantar. Toda sexta-feira tem um buffet diferente no clube e hoje é dia de comida árabe. A cozinha do clube é ótima e barata. Comemos muito e tudo estava muito bom. Após o jantar, retornamos ao barco e, enquanto as crianças começavam a dormir, eu fazia a navegação para nossa ida até Camamu.

 

15/07/2006

Acordei às 3:45 hs e comecei a arrumar tudo para nossa saída. O tempo estava chuvoso. Para não tirar as crianças da cama quente com a garoa que caia, arrumei tudo sozinho e saí com o barco às 4:30 hs, avisando a Capitania dos Portos pelo telefone. Fomos saindo devagar, com vento favorável na enseada protegida. Logo deixamos o farolete verde de sinalização de entrada do canal e tomamos o rumo de Camamu. Assim que saímos do abrigo, o mar começou a engrossar e o vento a aumentar, os dois de direção favorável. Assim que estávamos fora da barra desliguei o motor e fomos velejando com mestra e genoa plenas. Logo o dia amanheceu. O mar havia crescido e as ondas tinham de dois a três metros de altura. O vento devia estar na casa dos quinze nós com uns vinte nas rajadas e nos levava rapidamente para Camamu. Surfávamos maravilhosamente bem as ondas e chegamos a onze nós em algumas surfadas. Passamos pelo Rio das Contas, deixando Itacaré por bombordo. Na volta devemos parar para conhecê-la. As crianças acordaram e tomamos um lanche. Passamos por alguns barcos de pesca e, como o vento empopou muito, tiramos a genoa, que estava batendo muito, encoberta pela mestra na maioria das vezes. Mesmo assim continuamos andando na casa dos sete nós de velocidade média. Quando faltavam cerca de duas horas para o través do farol de Taipus, dei uma olhada geral no barco, coisa que faço sempre e vi uma trinca na retranca, ao lado da fixação do burro. Descemos a mestra e abrimos a genoa. Mesmo assim, continuamos a andar entre seis e sete nós de média e sem as batidas que aconteciam com a mestra. A trinca aconteceu na região mais solicitada da retranca e que sofre todo o esforço quando o vento está em popa e o burro precisa segurar toda a mestra que quer subir. Tentarei ver se há alguém que solda alumínio na cidade de Camamu. Senão, improvisarei outro burro em outro ponto de fixação da retranca em caso de eventual necessidade. Continuamos viagem e chegamos na entrada da tão elogiada baia de Camamu. Fomos seguindo os way-point’s do guia náutico e passamos por várias lajes e bancos de areia onde havia arrebentação. A maré estava subindo e a corrente nos favorecia bastante. Após algum tempo estávamos na frente de Campinho, onde muitas pessoas nos falaram para parar. Soltamos âncora, entramos para fazer um lanche e, quando eu saí para dar uma olhada se tudo estava bem, estávamos nos afastando do lugar onde ancoramos. Levantamos âncora, voltamos para mais perto da praia e soltamos âncora novamente. Pouco depois, novamente nos afastávamos do lugar onde ancoramos, com a âncora enroscada na quilha. Mergulhei, desenrosquei o cabo e ficamos observando: como a correnteza estava subindo e o vento vinha do outro lado, ora o barco ia para a frente, ora para trás, se enroscando toda hora no cabo de âncora! Eu estava cansado e queria dormir tranqüilo. Vi umas poitas ao lado e fomos até lá perguntar se poderíamos pegar uma poita. Nos falaram que custava R$ 15,00 por dia e a pegamos. Ufa, chegar em Camamu até foi fácil, duro foi segurar o Fandango que já estava querendo ir conhecer o fundo da baia por conta própria. Após toda a aventura, inflamos o bote e colocamos o motor. Ele demorou a pegar, mas logo estava em funcionamento. Fomos até o local que tem as poitas e logo vimos que se chamava “Sítio Sabiá”. Era o lugar que haviam nos falado em Ilhéus para pararmos! No píer nos esperava o dono do lugar, o simpático Juvêncio, de muitas histórias e muitas fotos de grandes peixes pescados em pesca submarina. Grandes peixes? Grandes mesmo!!! Vários meros, um com mais de duzentos quilos, muitos robalos, garoupas, olhos-de-boi, etc. Ficamos conversando um bom tempo com ele e escutamos várias histórias. A que mais impressionou as crianças foi a que ele foi mordido por uma barracuda enquanto caçava. O Jonas falou: “Viu Pai!!!”, fazendo referência ao nosso encontro com pequenas barracudas em Abrolhos. Um amigo havia arpoado o peixe e pediu para ele dar o segundo tiro. Quando ele desceu, puxando o cabo do arpão, a barracuda o viu e se defendeu: partir para cima dele mordendo-o na cabeça. Ele ficou com um pedaço da orelha pendurada e com um pedaço do couro cabeludo aberto. Deu a sorte de haver dois médicos passando férias no lugar, um inclusive cirurgião plástico, que o costuraram. Restou a história da mordida, um peixe de cerâmica dado por uma amiga e uma orelha de cerâmica, que foi removida da parede e guardada em algum lugar. Voltamos ao barco para pegar nossas coisas e tomar um bom banho de água quente, com toda a mordomia que eu não esperava encontrar em Camamu. Após o banho conversamos mais um pouco e fomos dormir, deixando o rio correr e a certeza do Fandango estar bem firme no lugar.

 

16/07/2006

Acordamos às oito horas e, após o café fizemos nossas obrigações. Como a maré estava muito alta, não adiantava ir cedo para a praia, que é mais bonita e de mais fácil acesso com maré baixa. Aproveitamos para dar uma arrumação no barco e, quando a maré já havia baixado mais, descemos em terra. Fomos andando por dentro de Campinho, vendo as casinhas espaçadas pelo lugar. É um lugar muito simples, mas muito belo. Paramos para beber alguma coisa e sentir o pessoal do lugar em um barzinho. Perguntando preço das coisas, sempre a pessoa que estava servindo não sabia e olhava para o dono, que víamos nitidamente estar fazendo o preço segundo a nossa cara. Fomos até um píer com navios de pesca e que deve ter sido usado para grandes barcos. Depois fomos procurar a praia. Perguntando para várias pessoas, fomos descobrindo a trilha que nos levou para dentro do mangue e depois para uma linda praia deserta, cheia de coqueiros e com a maré baixa descobrindo muitos bancos de areia. Havia muitas conchas no chão e fomos andando curtindo a paisagem e pegando conchas. Achamos um ouriço de espinhos grossos e uma lesma-do-mar dentro das poças de água. Caminhando pela praia da mangueira, chegamos até o rio do Cruz. Pensamos em atravessá-lo com um dos barcos existentes no local para isso, e ir até Barra Grande, mas ia ficar tarde para voltarmos. Então resolvemos subir o rio com a canoa e curtir o visual do mangue. Foi um passeio muito bonito e cerca de quarenta minutos depois estávamos de volta. O Nelson, que nos levou, falou que havia muitas propriedades para vender no local, mas pelos valores que ele colocou, posso dizer que estão muito valorizadas. Retornamos pela mesma praia, só que com o sol mais baixo, o que a deixava com uma luz ainda melhor. O lugar é realmente muito belo (as imagens falam melhor que as palavras) e muda conforme o dia vai passando. Retornando para a praia onde estava o barco, fomos visitar a famosa Soninha, levando-lhe um abraço de nossos amigos comuns Regina e Walter, ex-donos do Azular, que passou por ali quando eles estavam viajando. Soninha é uma simpatia e muito caprichosa com sua linda pousada. No restaurante, dezenas de pequenas velas de tecido bordadas com o nome de muitos barcos que passaram por ali, enfeitavam o local. Fomos encontrando os nomes dos veleiros conhecidos: Azular, Sweet, Domani, etc. Conversando com ela descobrimos um monte de gente que conhecíamos e fomos atualizando-lhe as informações sobre as pessoas. Saímos de lá contentes de tê-la conhecido e prometemos voltar. Chegando no Sítio Sabiá, conversamos um pouco com o Juvêncio e fomos para o barco preparar o jantar. Após o jantar, um bom livro do Jorge Amado completou nosso dia.

 

17/07/2006

Acordamos cedo e logo arrumamos nossas coisas e tomamos nosso café para fazer o passeio até Barra Grande. Saímos com a maré vazando, mas um pouco alta ainda para aproveitar mais e passamos no mangue com um pouco de água, mas que não chegava ao tornozelo. Logo estávamos na linda praia da Mangueira. Como ontem, éramos as únicas pessoas na praia! Se alguém sonha com praias com coqueiros desertas, muito sol e lindas paisagens, tem que conhecer Barra Grande fora de temporada (e a temporada por aqui tem apenas três meses: dezembro, janeiro e fevereiro). Logo chegamos ao rio e chamamos o Nelson, que nos atravessou com a canoa. Na outra ponta do rio, um banco de areia avançava entre o rio e o mar, formando uma belíssima paisagem, onde um hippie montou uma barraca e assumiu o lugar. Andando pela maravilhosa praia e catando lindas conchas, fomos vendo as armadilhas de peixes dos pescadores da região e nos satisfazendo com tanta beleza. Chegamos numa pequena pousada e perguntamos onde poderíamos tomar alguma coisa. O dono, Adriano, falou que chegamos ao lugar certo e logo vinha com uma cerveja gelada (não a pedi, mas resisti a ela naquele sol maravilhoso) e refrigerantes. Batendo papo com ele soubemos de vários peixes grandes que pegou fazendo caça e que conhecia o Juvêncio, trabalhou para ele e mergulhou com ele. Contou-nos novamente a história da orelha e da barracuda e falou dos grandes peixes da região. Quando estávamos para sair, veio com um prato com alguns pedaços de carne para que experimentássemos. Comemos, gostamos (achei que parecia cupim, muito macio, mas sem a gordura dele) e ele nos disse que era língua bovina. Olhei para as crianças, esperando aquela cara de nojo, mas só veio a de curiosidade, com a frase: “Hum, que bom!”. Seguimos pela praia e paramos num lindo bar-restaurante à beira-mar de uma pessoa que nos falaram para conhecer ali: o famoso Ioiô. Pena que ele não estava e então seguimos até chegar em Barra Grande. Primeiro fomos até a ponta do grande píer para ver a cidade do mar e fotografá-la. Depois seguimos para o vilarejo, que é muito bonitinho e me lembrou um pouco a praia do Forte, só que com menos construções e mais simples. Andamos pelo vilarejo e encontramos algo inusitado: no meio da rua de terra, uma enceradeira branca estava postada na frente da igreja. Qual o motivo daquilo não descobrimos. Paramos numa linda padaria e mercado e comemos alguns doces. Compramos mais uma geléia de cacau, que é uma delícia e foi aprovada pela tripulação. Já estava ficando tarde e tínhamos horário marcado para atravessar o rio de volta. No caminho vimos os pescadores todos indo recolher os peixes presos em suas armadilhas. Eles entravam no cerco com uma pequena rede e a passavam dentro do pequeno espaço onde os peixes tinham ficado presos. Os dois primeiros não pegaram muita coisa (uma ou outra tainha grande e algumas pequenas), mas o terceiro fez uma ótima pesca e, entre os peixes, havia um lindo linguado de uns dois quilos. Negociamos o peixe (paguei dez reais por ele) e o levamos conosco para “nos fazer companhia no jantar”. Fiquei feliz, pois os dois primeiros pescadores falaram que soltaram um filhote de mero cada um. Isso significa que a consciência deles como pescadores está excelente e que há vários meros se reproduzindo na região. Fomos voltando aproveitando a praia deserta e a linda luz de fim de tarde para a caminhada de retorno, atravessamos o rio com o Nelson e paramos para tomar um banho de mar. A água estava quente, deliciosa! Continuamos andando, mas não entramos pela trilha normal de volta, pois eu queria conhecer a outra ponta da praia, que dá em Campinho. A praia vai ficando cada vez mais bonita até lá e não encontramos nenhuma pegada na areia. Quando chegamos na ponta, pensei em atravessar por lá mesmo. Andamos um pouco procurando um lugar para atravessar e um morador, do outro lado do rio, nos deu a dica. Fomos passando, eu, o Jonas e a Carol. Como a papete ficava um pouco presa e a Carol ficou receosa, logo ela empacou e não quis mais atravessar. A água estava abaixo da cintura das crianças, mas eu atravessei com o Jonas para levar as coisas e voltei para pegar a Carol. Logo estávamos no barco e nosso “convidado” foi limpo (ou “tratado” como chamam por aqui) e temperado. Tomamos um ótimo banho no Sítio Sabiá e logo assamos o peixe no forno e fizemos um risoto com cenouras. Deixei o peixe assar demais, mas nunca vi as crianças comerem tanto peixe! Demos conta de seus dois quilos de carne apenas os três e do nosso “convidado” só sobrou a espinha dorsal e seu sabor em nossas bocas. Logo após o jantar, de barriga cheia e pernas doloridas, depois de termos andado, por baixo, uns quinze quilômetros durante o dia, fomos dormir para acordar amanhã bem cedo.

 

18/07/2006

Acordamos às seis horas da manhã para pegar uma carona com o Juvêncio para a cidade de Camamu. Fomos até o píer com o bote e as crianças andaram pela primeira vez de lancha! Numa rápida viagem pelo lindo manguezal da região chegamos até a cidade de Camamu em cerca de vinte minutos. Soubemos, pelo Juvêncio, que é o segundo maior manguezal do país. Para minha grande satisfação, as crianças falaram: “Veleiro é muito mais gostoso, pai!” (ainda bem!). Chegamos numa marina que também é um estaleiro de grandes escunas e já deixamos combinada a volta. Juvêncio nos deixou no centro e logo fomos tomar um café numa padaria. Tudo foi muito gostoso e o preço era a metade do que em Ilhabela! Começamos a andar pela cidade, que tem cara de antiga e é muito bonita para fotografar. Subimos uma rua e saímos no centro velho, bem alto, e vimos a linda igreja e casas do lugar. Fomos andando descobrindo a cidade e logo voltávamos para as ruas de baixo. Fomos até o porto e vimos desde lanchas modernas de passeio até canoas de pena muito antigas. Passamos no mercado de peixe e vimos que a realidade da pesca ali vai por um mau caminho: muitos filhotes de peixe sendo vendidos para usar de isca para siris ou jogar fora (havia robalos, peixes que chegam a 25 quilos, com menos de 10 cm de comprimento!), mostrando que estão pescando de arrasto com malhas muito finas e matando o futuro da pesca. No meio da rua um vendedor passava com muitos guaiamus vivos para vender. Passamos pelo mercado de frutas, outro com peixes salgados e secos e muito azeite de dendê e outro com carnes e farinha (a preferência baiana!). Esse é um lugar bem típico da Bahia! No cantinho do porto havia muitas canoas e um pescador mexia com armadilhas para siris, outro dava manutenção numa gamboa (armadilha de peixes que vimos ontem em Barra Grande). Vimos um mercado de artesanato muito bonitinho, só que com poucas lojas abertas. Um restaurante nos chamou a atenção e resolvemos almoçar lá. Comemos muito bem e por um preço ótimo. Comi siri catado, que é muito gostoso, mas acho que prefiro o aratu catado. Havia um arroz com camarão e abacaxi, que não sei se é prato típico, mas estava divino. Santa comida baiana! Encerramos com um sorvete, o meu de mangaba, fruta que dá um sorvete delicioso e é uma pena não ir para a região sudeste. Fizemos compras de supermercado para abastecer o Fandango e comprei uma panela de pressão para fazer uma receita de lentilhas que a Andréa do Scorpion me ensinou. Uma vez que já havíamos visto tudo, pegamos a lanchinha rápida para voltarmos ao barco. Rapidamente estávamos em Campinho novamente e logo guardamos as coisas de mercado. Como era cedo, resolvi fazer um reforço na retranca, com duas chapas de alumínio e parafusos. Fiz a furação necessária e coloquei os reforços. Não pretendo usar a mestra para ir até Salvador, mas em caso de necessidade ela já está reforçada. Estava cansado, pois havia acordado cedo e então tirei uma soneca de uma hora. Quando acordei, as crianças estavam querendo ir na Soninha e lá fomos nós de bote. Chegando lá ela logo mostrou para a Carol a vela que fez com o nome do Fandango e que vai plastificar e pendurar com as outras. Ficou linda e vai colocar o Fandango junto com muitos veleiros famosos! Retornamos ao barco para nossas obrigações (diários, organização de fotos, etc.), um lanche e o merecido sono.

 

19/07/2006

Acordei às 7:30 hs com o dia muito bonito e o sol entrando pela gaiuta. Logo levantei e fui fazer a navegação para Salvador. Peguei os guias do Hélio Magalhães e do Marçal Ceccon e escolhi os melhores way-point’s para a viagem. Deixei as crianças dormirem mais um pouco. Acabando a navegação, coloquei meus diários em dia e puxei as fotos para o computador. Tenho fotografado muito por aqui e o lugar merece. Respondemos alguns e-mail’s, vi a previsão de tempo, que é boa para seguir para Salvador, liguei para a Capitania dos Portos de Salvador para avisar de nossa saída amanhã e nos arrumamos para ir passear. Logo pegamos o bote e, deixando o Fandango na poita, fomos para a Ilha do Sapinho e a Ilha do Goió. Passamos em cima de várias coroas de bancos de areia, reduzindo a rotação do motor. Após uns vinte minutos chegamos em Sapinho e descemos. O lugar é um vilarejo pequeno, mas acolhedor. A rua principal é bem estreita e as casas, apesar de simples, são bem cuidadas. Vimos duas casinhas cujas paredes da frente eram forradas de conchinhas! Andamos um pouco pelo lugar, com galinhas soltas no meio das casas e várias pessoas sentadas na frente de suas casas. Estávamos procurando o Jorge, dono de um restaurante no local. Eu era portador de um abraço para ele da Heloísa e do Vilfredo Schürmann. Logo o encontramos e, após as apresentações, ficamos conversando e aproveitamos para beber um refrigerante gelado. Várias pessoas chegaram, inclusive dois senhores idosos, e logo estávamos conversando com todos, contando e escutando histórias de cada um. O povo de Sapinho é muito receptivo e adora um bom papo. Nos sentimos em casa, mas queríamos conhecer o restante do lugar. Voltamos pela rua principal, onde tem uma interessante ponte que é uma mistura de ponte, atracadouro e bancos para sentar e apreciar a paisagem. Pegamos o bote e atravessamos o estreito canal para a Ilha de Goió. No canal havia dois veleiros ancorados: um ketch bem grande com o nome de “Jurema” e um Trinidad 37 com o nome de “Cigano”. Chegando na ilha descemos e começamos a andar. Ela é pequena e quase a contornamos totalmente. O lugar é belíssimo: praia deserta, vegetação de mangue nas bordas com alguns coqueiros e um bar desativado no meio (provavelmente abre apenas na temporada). Quando chegamos no máximo que podíamos andar na praia, resolvi tomar um banho de mar. Entrei na água e, quando estava relaxado sentado na areia, um pequeno baiacu pintado de cerca de 15 cm veio para cima de mim. Como conheço bem os dentes desse peixinho, dei um pulo para trás. Minha surpresa foi que ele continuou avançando para mim. Fui saindo e tentando espantar o bicho, mas ele não ia embora. Saí da água e ele quase encalhou para tentar me pegar. Quando ele voltou para um lugar mais fundo, eu entrei um pouquinho novamente e outra vez ele veio até mim. A Carol estava com um graveto na mão e quase o tirou da água quando ele novamente encalhou para me pegar. Aí ele achou que estava ficando perigoso e se afastou, mesmo eu entrando na água outra vez. Nunca vi isso! Retornamos para perto do bote e, enquanto as crianças brincavam, relaxei e dormi um pouco na praia. No final de tarde, pegamos o bote e retornamos ao Fandango. Fui pagar a poita no Sítio Sabiá e agradecer a atenção. Pena que o Juvêncio não havia chegado ainda. Vou tentar ligar para ele depois. Retornei ao Fandango e começamos as arrumações para seguir para Salvador amanhã. Guardei o motor do bote (que pela primeira vez “dormiu” todos os dias no próprio bote, amarrado ao Fandango – o Juvêncio garantiu que ninguém mexe em nada por aqui e pude comprovar conversando com as outras pessoas da região), desinflei e guardei o bote, fechamos as gaiutas principais, tiramos a capa da mestra, enfim, deixamos tudo fácil para sair amanhã cedo. Aproveitei a disposição e a água limpa com pouca correnteza, pois estávamos no final da vazante e limpei o fundo do Fandango. Quando estava no fundo e quase acabando escutei passos correndo no cockpit e subi para ver o que acontecia. O Jonas e a Carol estavam gritando: “Golfinhos” e logo subi para vê-los. Eram apenas dois, mas passaram ao lado do barco com o sol se pondo por trás deles. O Jonas chegou a ver um pular completamente fora da água. Voltei para acabar o serviço e depois entramos. Enquanto eu fazia o jantar, o dia escurecia completamente e as estrelas cobriram totalmente o céu sem nuvens. Fiz farinha de mandioca com manteiga (que é uma delícia!) com uma farinha especial amarelinha que eu havia comprado em Camamu e risoto de carne seca com milho verde. Ficou muito bom! Fizemos nossos diários e arrumamos tudo internamente no barco para a viagem. O dia foi perfeito, descontando apenas alguns pernilongos (ou “muriçocas” como os chamam os baianos) que apareceram no final dele para fazer uma visita e nos trazer de volta à realidade! Lemos “Capitão de Longo Curso” e fomos dormir cedo.

 

20/07/2006

Acordamos todos às 5 horas da manhã, ainda noite. Logo arrumamos o que faltava para sair, pegamos roupas mais quentes para enfrentar o frio da manhã e nossos cintos de segurança. Soltamos o barco e fomos saindo da maravilhosa e receptiva Camamu, refazendo os mesmos way-point’s da entrada na ordem inversa, com o dia nascendo. Com todos concentrados na navegação, rapidamente saímos da barra. O mar estava bem calmo e apenas uma brisa fraca soprava vindo do interior da baia. O sol começava a se erguer no horizonte e muitos barcos de pesca já estavam na sua labuta diária. Fomos navegando entre eles e, quando estava tudo em ordem, as crianças voltaram para a cama. Íamos a motor, pois o vento não havia dado as caras e eu queria chegar em Salvador antes do anoitecer. Após umas três horas de navegação, vi baleias perto de nós e chamei as crianças. Eles levantaram rapidamente e ficamos vendo-as não muito longe. Acompanharam-nos um pouco e, quando comecei a virar mais para perto delas elas se afastaram. O dia estava muito bonito e o mar liso facilitava ver as baleias. As crianças ficaram no cockpit e eu acabei indo descansar um pouco, mas antes coloquei a vara para corricar. Quando acordei para fazer a navegação, vi que estávamos em profundidades de mil metros e a água estava num “azul profundo”. Como eu não queria parar, peguei o balde e eu e a Carol tomamos um gostoso banho de mar. Fomos passando ao lado das ilhas de Tinharé e Boipeba, que quero conhecer futuramente, e vimos grandes plataformas de petróleo na região. Continuamos navegando e deixamos pelo través Morro de São Paulo. Mais à frente, o Jonas estava com o binóculo e falou timidamente e sem muita certeza: “Baleias?!”. Olhamos e logo vimos um grande jubarte saltar, tirar quase o corpo todo fora da água e cair de lado, causando um grande explosão de água. Eram duas baleias e elas estavam vindo em nossa direção. Diminui a velocidade e guinei um pouco para bombordo para cruzarmos nossos rumos. Ficamos vendo as duas um bom tempo. Quando estavam mais perto, a Carol pegou a máscara e queria cair na água para vê-las. Mandei que aguardasse. A uns 50 metros do barco, novamente uma saltou. Foram chegando mais perto e de repente desapareceram. Esperamos um bom tempo, com a Carol doida para cair na água e então elas apareceram do outro lado do barco, já mais longe e se afastando de nós. A Carol ficou chateada porque não deixei entrar na água, mas expliquei que naquela situação não era seguro. Continuamos a viagem. Vimos ao todo quatro vezes baleias e contamos seis baleias no total! A última aparição de jubartes foi a 18 milhas de Salvador. Quando faltavam 25 milhas para chegarmos, vimos uns “barcos estranhos” pela proa e logo o Jonas identificava corretamente como sendo prédios! A visibilidade estava muito grande e já víamos os altos prédios da entrada da baia de Todos os Santos. Fomos nos aproximando, desviando de vários espinhéis pelo caminho. Entrou um ventinho fraco por boreste e aproveitei para abrir as velas. Foi bom, porque temia não chegar de dia e o vento nos auxiliou muito, mesmo não permitindo desligar o motor. Ao aproximarmo-nos fomos distinguindo o Farol da Barra, prédios e pontos notáveis. Às quatro e meia passávamos pelo farol e víamos o que eu considero mais interessante em Salvador: os contrates. Víamos um antigo saveiro à vela sofrendo com as marolas feitas por uma moderna lancha, os prédios chiques por cima de casinhas pobres na costa, enfim, a Bahia em toda sua essência. Rico e pobre, antigo e moderno, brasileiro e estrangeiro, baiano e turistas, catolicismo e umbanda vivem em harmonia nesta terra maravilhosa. Contactei a Capitania dos Portos para avisar de nossa chegada e fomos entrando no CENAB. Colocaram-nos numa vaga bem na frente do elevador Lacerda e as crianças ficaram muito impressionadas com o que viam. Estavam ansiosas! Tomamos um banho, conhecemos alguns velejadores estrangeiros dos quais ganhamos algumas bananas e partimos para o Pelourinho para jantarmos. Passamos ao lado do Mercado Modelo, prestando muita atenção a tudo e todos que estavam perto de nós para evitar assaltos e fomos até o elevador Lacerda. Subimos para a Cidade Alta e, saindo do prédio do elevador, as crianças falaram “Uau!”. Os prédios antigos, imponentes e muito bem conservados causaram uma admiração profunda neles. Fomos andando e vendo as estátuas, fontes e prédios. Chegamos à um restaurante simpático e jantamos. Depois demos uma volta descendo até o largo do Pelourinho, passando em frente à Casa da Cultura de Jorge Amado e subindo por outra rua. Vimos algumas mulheres de um grupo “Olodum Cover” e as crianças se impressionaram com o som. Isso porque eram cerca de oito mulheres tocando. Quero ver quando escutarem um grupo de 40 a 50 pessoas tocando juntas! Estávamos cansados e voltamos ao barco, descendo o elevador e atravessando com cuidado até o CENAB. Antes de dormir lemos “Capitão de Longo Curso”, com o privilégio de citações diretas aos lugares onde havíamos estado há pouco tempo.

 

21/07/2006

Acordamos juntos às oito horas da manhã e logo fui dar entrada do barco no CENAB. Gostamos das instalações e a localização é a melhor possível em Salvador. Todos os funcionários foram muito simpáticos conosco. Perguntei sobre solda de alumínio para arrumar a retranca e me disseram ser difícil. Um funcionário se ofereceu para ajudar a levar a retranca até uma pessoa que a fazia. Deixamos para ir amanhã de manhã. Saímos e procuramos uma padaria para tomar café. Achamos uma bem ao lado do Elevador Lacerda e lá comemos e bebemos algumas coisinhas. Passamos no Mercado Modelo para conhecê-lo e nos deliciamos com o monte de lojas de artesanato lá dentro. Procuramos uma lavanderia, que também é muito perto do CENAB e fui procurar uma bomba para a pia do banheiro, que havia quebrado. Acabamos comprando um cabo grosso para atracação, uma tarrafa e a bomba. Em todas as lojas que fomos, o papo corria solto e a simpatia baiana nos contagiava. Retornamos ao barco para deixar as coisas e as crianças tentaram pescar um pouco no píer. Era proibido e eles não sabiam (não havia placas e um marinheiro de um barco falou que era permitido), mas quando foram avisados que não podia, soltaram os pequenos peixes que haviam pescado rapidamente e saímos para passear. Pegamos o Elevador Lacerda e fomos até a Cidade Alta. Visitamos o Museu da Câmara Municipal e depois fomos andando pelo lugar. Paramos numa banca e procuramos numa revista Náutica de julho se havia algo sobre nós. Achamos uma matéria na seção “Gente do Mar” e ficamos contentes. Peguei um mapa da cidade e encontrei a igreja que eu queria muito mostrar para as crianças: a Igreja e Convento da Ordem Primeira de São Francisco. Ela é, de longe, a mais bela igreja ou obra de arte que eu já vi em minha vida. Eu havia ficado muito impressionado em 2002 quando a conheci e ela não podia faltar no nosso roteiro. Demos sorte: chegamos bem no começo do maravilhoso espetáculo de som e luz que se realiza na igreja vários dias da semana. O espetáculo explica a igreja, a importância dos jesuítas e desvenda todos os detalhes contidos na maravilhosa obra-prima que é essa igreja. Fora o efeito das luzes variadas, que dão uma beleza e realce a esses detalhes. Esse espetáculo é imperdível! Saímos depois com direção à Casa da Cultura de Jorge Amado de Salvador. O lugar é muito bonito e as crianças se fartaram de informações e fotos de Jorge Amado. Não pudemos deixar de tomar um café e comer uns salgados no café-teatro Zélia Gattai. Subimos para o segundo andar, onde há explicações e resumos de cada livro escrito por Jorge Amado e as crianças quiseram ver com detalhes, um a um. Resultado: a Casa fechou e não conseguimos ver tudo. Teremos de voltar amanhã. Aprendemos uma coisa interessante: a independência do Brasil começou na Bahia. No dia 2 de Julho se comemora a Independência Bahiana, que foi estopim para a independência do Brasil! Muitos lutaram e morreram nesse dia, expulsando os portugueses da Bahia. Estávamos retornando ao barco quando pensei em fazê-los experimentar um prato que adoro: o “arrumadinho”. Mistura de farofa, carne-de-sol, feijão-frade e vinagrete, tudo em camadas, acho esse prato delicioso. Pena as crianças não terem achado o mesmo. O Jonas não é muito fã de tomate (havia muito no vinagrete, mas mesmo assim ele comeu bem) e a Carol não gostou do feijão-frade e nem da cebola do vinagrete. Trouxemos para o barco metade do prato numa quentinha e espero comê-lo amanhã, se ainda estiver bom. No barco fizemos nossos diários e a Carol tomou uma sopa. Após o trabalho o sono bateu forte e fomos todos dormir cedo.

 

22/07/2006

Acordei bem cedo e logo comecei a retirar a vela mestra e desmontar a retranca com a ajuda do Jonas. Foi bem rápido e, depois do trabalho efetuado, fomos tomar nosso café da manhã. Fiz panquecas, mas a Carol não as quis, preferiu um sanduíche de queijo. Fui ao banco sacar dinheiro e ficamos esperando uma carona para levar a retranca no soldador. Nesse ínterim conhecemos o Nelson e sua filha Nádia do veleiro “Salmo 33”, muito simpáticos os dois. Eles fizeram a mesma viagem que nós, ficando dois anos viajando. Depois pararam em Salvador, onde estão há dois anos. A pessoa que iria nos levar para soldar ficou enrolada com um trabalho e então aproveitamos um taxista que eu havia combinado de nos buscar para nos levar também. Sabíamos mais ou menos onde era, mas como havia ficado tarde e já era quase meio-dia, quando chegamos no local, a pessoa que soldava já havia ido embora. Nos informaram de outro lugar que soldava em alumínio e lá fomos nós para o dique do Itororó (aquele mesmo da música “Eu fui no Itororó, beber água e não achei...”). Chegando lá, os rapazes fizeram um ótimo trabalho de solda e até pintaram o lugar soldado. Ficou nova! Voltamos ao barco e a deixamos no cockpit. Fomos andando até o Pelourinho e ficamos procurando algumas coisas que precisávamos comprar. Deixei a máquina fotográfica e dei um descanso para o “repórter fotográfico”. Fomos até a praça Castro Alves, que tem uma bela vista e onde estão guardadas as cinzas de Castro Alves. Conversamos um pouco sobre ele e sua importância para a libertação dos escravos e fomos ao museu Jorge Amado acabar nossa visita de ontem. Vimos mais alguns resumos de livros dele e retornamos ao barco, parando para comprar mais algumas coisas e comer alguns pastéis. Chegando no barco, aproveitei para tirar uma gostosa soneca e acordei com o Jonas me dizendo que o sol estava se pondo e era bom montarmos a retranca. Mãos à obra, colocamo-la rapidamente com os três trabalhando. Colocamos a vela mestra e sua capa e então fui fazer o jantar: minha primeira lentilha! Fiz a lentilha e o arroz separados, pois não sabia quanta água colocar para os dois juntos. Acrescentei uma lingüiça defumada e alguns temperos e... ficou maravilhoso! As crianças adoraram e temos um novo prato de bordo. Para travessias, posso fazer com antecedência e deixar dentro da panela de pressão. Assim não precisamos cozinhar com o barco em movimento. Depois demos um pulo até o Pelourinho. É uma delícia passear por lá. Telefonamos para Sampa e voltamos para o barco para curtir mais um pouco de “Capitão de Longo Curso”.

 

23/07/2006

Levantei às oito, com dia muito feio e chuvoso. Mesmo sendo domingo, me pus ao trabalho para colocar a bomba de água doce da pia. Furei, cortei, encaixei, parafusei e, enfim a bomba estava colocada e funcionando. Dei um pulo até o banheiro da marina para ver se já havia água para banho (ontem estava faltando) e me informaram que a bomba que envia a água para a caixa superior que abastece os banheiros havia quebrado. Voltei ao barco, tomamos nosso café e, como havia água no píer, engatei nossa mangueira e a levamos até nosso banheiro. Tomamos um ótimo banho e, como a mangueira já estava lá, aproveitei para lavar onde eu havia sujado para colocar a bomba. Já que eu havia lavado ali, aproveitei para dar “aquela” lavada no vaso sanitário. Já que havia molhado um pouco a sala, lavei a sala. E de “já que” em “já que” lavei o barco todo. Depois de algumas horas boas de serviço, resolvemos dar uma saída rápida do barco. Fomos até o Mercado Modelo e comprei algumas coisas para servir para uma família de velejadores que iríamos conhecer mais tarde. Na volta, uma grande coincidência: um casal nos chamou e começou a se encaminhar até nós. Eram o Alexandre e a Maria Alice, que eu havia conhecido em Parati em 2001 e que tinham casa em Ilhabela. Encontrei o Alexandre diversas vezes, sempre sem marcarmos e encontrá-los por aqui foi muito bom. Tomamos refrigerantes juntos e colocamos as novidades em dia. Provavelmente nos encontraremos outras vezes, pois o Alexandre irá passar um mês aqui trabalhando em uma lancha na Bahia Marina. Retornamos ao Fandango, fizemos nosso almoço, onde testei juntar a lentilha e o arroz juntos. Ficou muito bom novamente e não sobrou nada para contar a história. Logo chegaram os novos amigos André e Adriana Hagge com os filhos Victor e Marcelo. Convidamo-los para conhecer o Fandango e falamos bastante de barcos. Os dois são simpaticíssimos e a sintonia foi rápida e perfeita. O Jonas em pouco tempo estava se entendendo com o Victor e ambos tem muitas características em comum. Enquanto estávamos conversando, outra surpresa: o André (outro André!) do “Magic Too” de Parati nos chamou do píer. Havia acabado de chegar em um barco onde está trabalhando! E dizem que o mundo é grande! Ficamos de conversar um outro dia. André e Adriana contaram algumas histórias de suas saídas de barco e falaram de alguns lugares para os quais desejamos ir. Depois de uma boa hora conversando no Fandango, eles nos convidaram para assistir o novo filme “Piratas do Caribe 2”. Era tudo que as crianças queriam! Fomos até o Aeroclube e assistimos ao bom filme, mas que não acaba. Para ver a trama toda temos que esperar até o número três! Fomos para a casa dos Hagge e lá comemos uma pizza e tomamos sorvetes. Eles estão realmente empenhados em poder viver em um barco futuramente e esse sonho comum acaba fazendo com que o entendimento seja muito grande. Falamos bastante de filhos, crianças no barco, equipamentos, custos, etc. Tentei passar o máximo que eu podia de informações para eles, mas o tempo foi pouco. Ainda nos encontraremos mais, se Deus quiser, e talvez até velejando em Aratu. Eles nos deixaram na marina já passava da meia-noite e eu fiquei com o sentimento que teremos muito mais ainda para conversar. Fomos direto para a cama, com muito sono por causa do dia cheio de coincidências, trabalho, diversões e amizades.

 

24/07/2006

Levantamos cedo e após o café e obrigações, fomos abastecer o barco. Pegamos um táxi e seguimos para a Mercantil Rodrigues, um grande supermercado atacadista mas também aberto ao público. Fiquei impressionado com o tamanho do supermercado, principalmente na altura. Devia ter de 15 a 20 metros de altura, com prateleiras que iam quase até o teto. Os preços são ótimos e o táxi até lá barato. É um ótimo local para grande abastecimento, pois os outros locais pequenos perto do barco são muito caros. Retornamos ao barco, guardamos tudo e ficamos esperando a Lu e a Mô que estavam para chegar. Logo elas chegavam, com vários presentes para as crianças, delas e de outros parentes e amigos de São Paulo. Após ajeitar as malas e elas colocarem uma roupa melhor para o calor baiano, fomos direto ao Pelourinho. Procuramos um lugar para almoçar e logo comemos uma tradicional carne-de-sol com farinha e acompanhamentos. Saímos passeando pelo belo lugar e a Lu se impressionou com os prédios antigos e beleza do lugar. Após o passeio, voltamos cansados para o Fandango e logo todos já estavam dormindo pelo dia cansativo.